“A ÚLTIMA SESSÃO DE MÚSICA” – Nova coluna dw Demétrius Faustino

A ÚLTIMA SESSÃO DE MÚSICA

 

Demétrius Faustino

 

Embora o compasso do momento é dos festejos juninos, não podemos deixar de tecer comentários acerca do show de pré-estreia de Milton Nascimento no espaço Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, no Rio.

A noite ainda estava começando quando uma fila imensa tomou conta da entrada do magnífico espaço para o início da turnê “A última sessão de música”.

Ao som de pássaros – a instrumental “Tambores de Minas”, e ainda com as cortinas fechadas o show já começou. E em seguida, no abrir das cortinas, Bituca interpreta “Ponta de Areia”, tocando sanfona. Nessa ocasião, vestia um figurino que delega ao manto inventado por Arthur Bispo do Rosário para se encontrar com Deus. E aos 12 minutos, passa a usar óculos escuros e troca de roupa. O fardão em tons azuis remete a Minas, às canções dele e a Guimarães Rosa, com bordados de pássaros, árvores e estrelas.

Milton estava com a voz um pouco trêmula, em razão da agitação dos sentimentos, mas não a impediu o curso do espetáculo. Pelo contrário, a emoção tomou conta dos espectadores.

Dando sequência ao show, vieram três canções do primeiro álbum, “Travessia”, “Canção do sal”, “Morro Velho” e “Catavento” com o apoio de uma banda extraordinária.

Tem mais: durante o show, Milton se refere ao álbum “Clube da Esquina”, que completou 50 anos em março e foi eleito pela crítica o melhor disco brasileiro de todos os tempos:

Viver este momento, após 60 anos de carreira, é a prova de que os sonhos não envelheceram.

Também pudera, Milton era a força de todo o movimento do Clube da Esquina. Foi ali, no centro de BH, que conheceu a família Borges e Fernando Brant. À propósito, Bituca é a própria esquina, pois essas esquinas são os encontros dele em suas travessias.

Em dois momentos, o show foi praticamente passível de interrupção, e, ao final de “Para Lennon e McCartney” e “Nos bailes da vida”, a plateia aplaudiu de pé, aclamando o nome de Milton aos gritos, por um bom momento.

Mais emoção veio com “Canção da América”, onde Milton, com uma expressão facial sorridente, declarou:

Como eu guardo todos vocês no peito, essa dedico a todos vocês hoje.

E para encerrar com chave de ouro, veio à tona “Maria, Maria”, sendo Bituca acompanhado o tempo todo por palmas. Cantou a capela, e levou a plateia ao delírio.

E assim será a turnê. No show mais recente, e em Londres, ele emocionou a plateia. O cantor se apresentou na Union Chapel, uma igreja gótica do século 19, como parte de sua turnê de despedida. Levou o público às lágrimas ao entoar os sucessos que marcaram seus 60 anos de carreira.

A voz de Deus, como Elis Regina definiu o timbre de Milton Nascimento, e o seu universo que é visto na janela de um trem azul, em uma travessia bonita da vida, não será mais ouvida no palco em breve, pois sua última sessão de música está prestes.

Salve, Milton Bituca Nascimento!

João Pessoa, junho de 2022.