Novo artigo de Demétrius Faustino: AMIZADE

AMIZADE

Demétrius Faustino

Na voz de Bituca a Canção da América ensina que amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, do lado esquerdo do peito, dentro do coração.
Com sua genialidade lírica, Vinicius de Moraes escreveu de forma capilar que a gente não faz amigos, reconhece-o, e que, poderia suportar, embora não sem dor, que tivessem morrido todos os meus amores, mas enlouqueceria se morressem todos os meus amigos!
E Renato Teixeira completa com seu estilo folk que a amizade sincera
é um santo remédio, é um abrigo seguro, é natural da amizade o abraço, o aperto de mão, o sorriso, por isso, se for preciso conte comigo, amigo, disponha…


Nessa toada, não é à toa que milhares de pessoas exaltam a máxima popular de que, quem tem um amigo tem tudo. De fato, amizade é o amor que não busca vantagens, ultrapassa a normalidade e o oportunismo do convívio. O amigo é aquele que estende a mão quando outros a encolhem, aquele que em momentos árduos, empresta seu ombro. Nesse contexto, a canção dos poetas Marcos Maia e Bebé de Natercio se expressa com brilho, quando faz soar que se o tempo está sendo injusto, divida a pena pra dois.
Mas será que em uma sociedade como a nossa, imediatista, consumista, voltada para a sua própria imagem e que só pensa em si mesmo, ainda existe amizade? Particularmente, cremos que existem poucas amizades verdadeiras, mas existem. De nossa parte, podemos afirmar que temos ótimos amigos. Alguns distantes, e outros num convívio mais próximo, mas esse fator(distante/presente) não conta, pois como diria Fabrício Carpinejar, os amigos são para toda vida, ainda que não estejam conosco a vida inteira, ou os amigos não precisam estar ao lado para justificar a lealdade.
Mas de um modo geral, e longe de querer generalizar, não existe mais amizades como as de Carlos Gomes e André Rebouças, Roberto e Erasmo Carlos, Tina Turner e Cher, Gil e Caetano, Betty Davis e Jimi Hendrix etc. São pessoas que cultivam a cortesia e a lealdade.
O que pretendemos dizer, é que em tempos idos as amizades eram mais autênticas, registradas por cartas, bilhetes, mensagens, no contar da companhia seja em que momento fosse, que patenteavam uma energia comprovadora da intensidade dos sentimentos, mas que hoje, em sua grande maioria, foram substituídas pelo resumido palavreado do WhatsApp, apesar de acreditarmos ainda que a tecnologia não tem a capacidade de extinguir esse valor tão importante e que faz bem ao universo.


Não se pode negar que no momento atual, há uma espécie de solidariedade entre as pessoas, porém, em grande parte forçada, já que é tão somente em razão da pandemia, o que indubitavelmente não é amizade. Na verdade, a pandemia faz emergir a intuição perfeita e acabada de nossas contingências e fraquezas. Independentemente de nossa origem, cor, condição social, sexo, religião ou time de futebol, fazemos parte agora de uma mesma posição: somos potenciais vítimas da covid-19.
A ideia de fazer parte da nova categoria de potenciais vítimas do vírus desmancha fortuita sensação de ser o outro um inimigo, uma fonte de desventura, pois todos somos, sem o querer, de forma simultânea alvos ou transmissores do mal. Isso impõe a humildade de reconhecer que se deve aos demais a atenção de cuidados para afastá-los do perigo.

Se o tempo tá sendo ingrato
O amigo quebra as amarras
O ombro emprestar
A porta se abrir
O sonho mear, sorrir
E assim a dor vai vir de mais distante
Chegar mais que um pedaço atrasada
Quem sabe, ela passa para diante
Quem sabe, vai bater em porta errada
Se amigo não é pra isso
Amigo é pra bem mais
Amigo é todo dia
E todo o dia mais
Se o tempo tá sendo injusto
Divida a pena pra dois
Se a gente meiar
Podemos salvar
Aliviando a quem se expôs
E dói…
De amigos/ Marcos Maia/
Bebé de Natercio.

João Pessoa, no frio de agosto de 2020.