ARTIGO de Demétrius Faustino: O Guarda Roupa

O GUARDA ROUPA

Demétrius Faustino

É fato que as atenções diante dos reflexos à Saúde Pública estão generalizadas em torno do tema coronavírus. É como se a sociedade vivesse enferma por falta de palavras e sem perspectivas do aparecimento de novas palavras, pois não se fala e/ou não se escreve praticamente outro assunto que não seja essa pandemia.

Diante desse contexto, resolvemos escrever sobre um tema que ao nosso ver é fascinante, que é a literatura do cangaço, cujo texto de hoje trata dos trajes que os cangaceiros usavam, e a entrada das mulheres nos bandos, na tentativa de fazer com que o leitor esqueça um pouco dessa mazela que assola a humanidade. Lembrando que além desse artigo virão outros tratando do assunto cangaço.

Pois bem. Em agosto de 1928, fechou-se o cortinado sobre o ciclo do corre-corre do cangaço que ocupara uma década inteira, as porções rurais de cinco Estados do Nordeste situados ao norte do rio São Francisco.
Em razão desse aperto, Virgulino Ferreira da Silva, cujo nome foi tirado do Junário perpétuo, já apelidado de Lampião, atravessou o velho Chico juntamente com alguns companheiros, e invadiu a Bahia, mas não imaginou o quanto sua vida iria se transformar. Essa mudança de vida a que nos reportamos, se dá em razão da entrada das mulheres no bando por volta de 1930, inicialmente com a chegada de Maria Gomes de Oliveira, apelidada de Maria Déa, e que depois passou a chamar-se Maria Bonita, a primeira dama do Cangaço.

É bom lembrar que com a aceitação da entrada de mulheres no cangaço, Lampião repele as recomendações de seu professor de guerrilha, o cangaceiro Sinhô Pereira, neto do Barão do Pajeú e nome considerado nas armas, que não aceitava a presença feminina nos bandos.
Esse período da presença feminina, e que podemos afirmar ter durado em torno de oito anos, alterou inclusive os costumes e o visual dos cangaceiros, que até então usavam trajes convencionais.
A partir desse período, segundo garantem nossas pesquisas, o grupo passou a adotar mescla na cor azul–cinza, e as mulheres usavam dois tipos de vestidos: um para o dia a dia, chamado roupa de batalha e outro de festa, geralmente em seda. A cangaceira e uma das figurinistas Dadá, mulher do Corisco, inovou esse guarda roupa com sua criatividade, inserindo galões de várias cores; comprimento das saias até os joelhos; meias e luvas para evitar furos de espinhos nas caatingas, e lenços de seda no pescoço.

E o que chama a atenção até os dias atuais, são os bornais, tanto de homens, quanto de mulheres, em razão dos belos bordados, e as sandálias de couro, tendo em vista a sua resistência, e a perfeição para enfrentar toda e qualquer luta.
Sem esquecer do ouro ostensivo por cima das roupas, trancelins, correntes, medalhas, santinhos, anéis de todo tipo nos dedos, além de chapéus de massa diferente dos cangaceiros que ostentavam estrelas como a de Davi, flores, medalhas e moedas.
As próprias fotografias da época, registram que as cangaceiras davam realce à sua feminilidade, aos cuidados com o corpo, a aparência e a postura. Essas preocupações ficam explícitas nas fotos de, por exemplo, Maria Bonita, que diga-se de passagem, exibia com muita vaidade um dos presentes de Lampião: as sete correntes de ouro, furtadas durante o famoso assalto à residência da Baronesa de Água Branca em 1922.

A própria literatura de cordel, já que no sertão foi e ainda é comum as pessoas declamarem canções, versos ou causos, revela a preocupação das cangaceiras com a beleza, e que envolvia um misto de heroína e de bandida, até que, quando o cangaço chegou ao fim, cada uma teve de reconstruir sua vida conforme os critérios sociais em vigor. A partir daí, as cangaceiras saem da rotina dura e arriscada das andanças pelo sertão, largam as armas e a fama de criminosas para encarar outros papéis, como sendo, o de mães, de donas de casa etc.

O fato é que o traje dos cangaceiros era diferente de qualquer outro grupo social, talvez em razão da complexidade funcional, pela habilidade extrema na disposição das peças sobre o corpo.
Era a estética do cangaço.
João Pessoa, maio de 2020.