AINDA SOBRE O VÍRUS LETAL – Novo artigo de Demétrius Faustino

AINDA SOBRE O VÍRUS LETAL

Demétrius Faustino

Quantas mortes
ainda serão necessárias
Para que se saiba que
já se matou demais
(Blowin’ In The Wind – Bob Dylan – versão Diana Pequeno)

Li certa vez uma crônica onde o subscritor utilizou um requinte de humor e ficção no seu conteúdo, quando relata que morou numa cidade que mais parecia uma “psiulândia”, pois o silêncio ali era tão grande, mas tão grande, que escutava a sua barba crescer. Esse “causo” nos remete aos dias atuais, pois pelo menos na rua onde moramos, a lei do silêncio nunca foi tão obedecida e a todo instante, o que nos deixa ansioso por demais, pois somos afeitos ao barulho educado.

Nesses dias estranhos e silenciosos que estamos vivendo, o sono pesa nas pálpebras e dormir é quase um rito do cansaço, apesar de que quando despertamos, é como se tivéssemos um pesadelo.
Nesses dias anormais e que provavelmente serão novos normais por um bom tempo, a gente acorda um tanto quanto indolente, ou como diria o poeta “como quem partiu ou morreu”. Dá uma olhada/escutada nas notícias, e só enxerga matérias comunicando que o mundo continua convivendo com uma pandemia terrível, e matando seres humanos em tudo que é continente. Ato contínuo, esquece um pouco o desespero porquanto vem à mente, a esperança, ao lembrar que no Sudeste Asiático e na Nova Zelândia estão os heróis da humanidade, obstinados vencedores do vírus demoníaco. Mas ao mesmo tempo temos a sensação de que ela (a Covid-19) só reina onde não se tem nenhuma consciência política disso. Nessa seara, as notícias também 9revelam outro vírus no nosso país: o inacreditável espetáculo da ignorância, e a política da “gripezinha” que se repete numa prova manifesta de tentativa de golpe de Estado, comandado por gente mentalmente enferma, de compostura anormal, eleita acidentalmente e por engano. Lembra o título da obra de Hieronymus Bosch “A nau dos insensatos”.

E tem outros piores: não poder sair de casa, por estar no rol do grupo de risco; por morar em casa térreo, nesse momento não temos o apreciável de quem mora em apartamentos fincados em andares altos, pois a pouca luz e a aparência exterior que temos vem das frestas das janelas, cujo ângulo se compõe apenas do firmamento e de altos prédios bancarianos; quando assistimos a TV, só captamos a imagem contendo o número de mortos, que só cresce todo santo dia, que mais parece uma contagem de votos da época em que o eleitor inseria a cédula eleitoral na urna, cujo resultado final da eleição demorava no mínimo uma semana para ser concluído; sem esquecer das mensagens pela internet, e que não se sabe se é real ou se é fake news.
E ainda tem pessoas que não acredita, como é o caso do vizinho de um amigo nosso, que além de não crer, não usa máscara, e ainda se acha no direito de gritar e brigar com os outros por conta de política, e sem respeitar a opinião contrária. Esses tipos estão aí por toda a parte, com parecer sobre qualquer coisa. São os entendidos de tudo e especialistas em nada.

E pra fechar o firo, a ausência de liderança e de uma clara visão estratégica de médio e longo prazo para a condução do processo de recuperação do país pode inviabilizar a superação do impacto da crise, cujo preço quem vai pagar é a população.
Já ensinava Maquiavel que nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas.
Mas como viver é pulsar, temos que vencer essa guerra.
Saudades do velho cotidiano da cidade-jardim, cosmopolita e contemporânea do passado e presente.
João Pessoa, junho de 2020.