O estádio Almeidão tinha poucos anos de inaugurado, a capital vivia uma época de crescimento de seu futebol profissional. Jogadores de todas as regiões do país por aqui começavam a chegar para mostrar a sua arte e, claro, manter-se empregado. E nesse fantástico mundo do futebol, surgem às modas e costumes peculiares, como ocorre na música, e demais artes.
Naquela metade da fértil década de setenta, a moda era o jogador deixar os seus cabelos grandes, independente de serem lisos ou não. Na realidade, os mais famosos eram “os cabelos black.” Esses predominavam emcampo.E no elenco do nosso Botafogo nós tínhamos vários jogadores com o cabelo black, em especial o trio da letra “B”, – Baltazar, Benício e o famoso Bié. Esses craques jogavam no Almeidão, de tarde e de noite desfilavam na Festa das Neves, no centro da cidade.
De longe as figuras eram notadas e reconhecidas com os seus respectivos andares e balançar dos cabelos. E foi justamente com o jogador que possuía o maior cabelo do nordeste, quiçá do Brasil que ocorreu um fato digamos engraçado em nossa praça de esportes.
Era um dia de domingo. O Almeidão estava lotado, o Belo enfrentava o Santa Cruz de Recife, em jogo amistoso, porém de grande rivalidade. Bié, que era centroavante e também jogava de ponta direita, estava no banco de reservas do time.
O placar estava em nosso desfavor, à torcida queria o time mais ofensivo, mais presente na área do time recifense. E foi aí que um torcedor, fanático e que havia tomado todas, por trás do túnel começou a pedir a entrada do folclórico “Bié” e sua juba. Esse torcedor ficou em pé e passou a gritar: – bota Bié! bota Bié!
Os demais torcedores da arquibancada sombra acompanharam o grito daquele torcedor, de bota Bié. As torcidas organizadas da época, TOB e Força Jovem engrossaram o pedido de bota Bié. Os torcedores das cadeiras cativa e numerada, não se fizeram de rogados, ficaram em pé e também pediram com todo o pulmão a entrada daquele atacante de três letras.
Por último foi à vez da massa da arquibancada sol, onde o torcedor normalmente tá quente de sol e de aguardente, engrossar o coro: bota Bié, bota Bié, bota Bié! O grande e saudoso Ivan Bezerra, em seus lúcidos comentários, ratificou aquela pretensão da torcida acrescentando que era oportuna a entrada do atacante.
Era um único grito. Mais de trinta mil pessoas, contrariando Nelson Rodrigues, que cunhou a célebre frase em que dizia que “toda unanimidade é burra”. Foi um pedido unânime, como se fosse uma única voz.
Ao técnico Pedrinho Rodrigues, não restava outra alternativa, entre uma e outra baforada em seu cachimbo, mandar Bié entrar em campo, sob os aplausos geral. Faltavam trinta minutos para encerrar o jogo. Bié entra correndo de um lado para o outro, marcando os jogadores do time recifense, e tentando roubar a bola.
A defesa do Santa, muito boa e experiente, sequer deixou Bié tocar na bola, ao ponto de ensaiar um olé em Bié.
Bié tentou várias vezes, porém não logrou êxito. E quando o domínio da bola era do Belo, ela também não chegava aos seus pés, por causa da cerrada marcação. Por mais que ele corresse, tentasse, se esforçasse, ele ainda não tinha sequer tocado na bola, apesar de já em campo por mais de vinte minutos. Ele corria muito, com aquele enorme cabelo black , lembrando uma casa de aripuá, de um lado para outro, mas nada tava dando certo. Foi ai que o inusitado ocorreu. O mesmo torcedor que havia gritado bota Bié, sentindo-se insatisfeito, passou a gritar o inverso: tira Bié!
E o mesmo efeito dominó ocorreu, dessa vez ao contrário. Em menos de trinta minutos, todo o estádio Almeidão voltava atrás e gritava: Tira Bié, tira Bié.