RELEITURAS OU PLÁGIO? O LIMITE DA CRIAÇÃO MUSICAL – Artigo de Demétrius Faustino

RELEITURAS OU PLÁGIO? O LIMITE DA CRIAÇÃO MUSICAL

 

Demétrius Faustino

 

Provavelmente você já escutou uma canção que te fez lembrar de outra, seja por versos parecidos, uma batida similar ou até mesmo por abordar um assunto semelhante.

Nesse contexto, grande parte da música brasileira acaba refletindo uma repetição de estilos, talvez devido à falta de originalidade, à ausência de esforço criativo ou a uma inspiração que, ainda que não seja intencional, é pouco exprimida. Isso muitas vezes resulta em obras que parecem cópias ou até apropriações indevidas de outras canções, levando à impressão de que a inovação se perdeu em meio a fórmulas que se repetem.

Um exemplo que ilustra essa questão é o caso da notória composição “Amigo”, de Roberto e Erasmo Carlos, em que um compositor argentino reivindicou a autoria da canção. O episódio gerou controvérsias, levantando debates sobre a linha sutil entre inspiração e possível apropriação de melodias e letras, demonstrando como essas questões podem se tornar delicadas no universo musical.

Há alguns anos, Catulo da Paixão Cearense deve ter se retorcido no túmulo ao ouvir os acordes de sua célebre composição “Ontem ao Luar” integrados à trilha sonora do filme Love Story. A semelhança entre as melodias gerou polêmica, sugerindo uma possível apropriação da obra do poeta brasileiro, destacando mais uma vez como fronteiras entre inspiração e plágio podem ser ambíguas e controversas.

Dizem que o tango Renúncia, de Gastão Lamounier, teria sido a primeira música brasileira a sofrer plágio no exterior. E falando em filme, outro exemplo foi o de Lua Bonita, de Zé do Norte, apresentada no célebre filme O Cangaceiro (1953). Embora o filme tenha sido amplamente elogiado internacionalmente, a inclusão da música gerou polêmicas, já que Zé do Norte não foi devidamente creditado e reconhecido por sua composição, com a autoria sendo atribuída ao maestro Migliori.

O Carnaval, em sua atmosfera de tolerância, tem sido o paraíso dos copiadores, correndo atrás do sucesso fácil. Esse contexto, muitos artistas se aproveitam da efemeridade da festa para criar versões de músicas já consagradas ou seguir fórmulas repetitivas, em vez de investir em originalidade.

Exemplo não falta para ser seguido, já que talvez a primeira canção carnavalesca, o Zé Pereira, surgida entre 1869 e 1870, possivelmente é uma adaptação de uma marcha francesa, Les Pompiers de Nanterre. Esse episódio ilustra como, desde os primórdios do Carnaval, a apropriação de melodias e a adaptação de músicas estrangeiras sempre fizeram parte da dinâmica da música brasileira, refletindo uma busca por inovações a partir de influências externas.

No Carnaval de 1939, Orlando Silva alcançou grande sucesso com a marcha “A Jardineira”, composta por Benedito Lacerda e Humberto Porto. A melodia foi inspirada em um sucesso de 1905, de autoria provável de Candinho das Laranjeiras, cujo bloco, por ele fundado, desfilava pelas ruas entoando a canção.

Ó Jardineira por que estás tão triste

Mas o que foi que te aconteceu

Foi a camélia que caiu do galho

Deu dois suspiros e depois morreu.

Em um editorial da Folha de São Paulo, este cita um exemplo evidente de plágio, e que aconteceu em 1942, quando Rubens Campos e Henricão se apropriaram integralmente da melodia da canção mexicana Cielito Lindo. A versão brasileira, intitulada Ai, ai, ai, ai, está chegando a hora, obteve grande popularidade na voz de Carmem Costa, mas sem a devida atribuição à composição original.

O grande sucesso “Cachaça” (com o verso “Você pensa que cachaça é água…”) gerou comentários devido à sua semelhança com “Pierrô Apaixonado”, de Noel Rosa e Heitor dos Prazeres. A semelhança entre as duas músicas foi percebida por muitos, suscitando discussões sobre possíveis influências ou imitações.

Wilson Batista e Nássara basearam-se na linha melódica de ‘La Paloma’ para compor a marcha ‘Pombinha Branca’. De modo semelhante, a canção ‘Linda Mexicana’, de David Nasser, Edgar Freitas e Djalma Esteves, é uma reprodução de ‘Farolito’, de Agustín Lara, demonstrando uma clara adaptação da harmonia original para o cenário brasileiro.

O hino do Rio de Janeiro, a marcha Cidade Maravilhosa”, foi praticamente copiado por André Filho de um trecho do 3º ato de “La Bohème”, de Puccini. Esse trecho, por sua vez, já havia sido utilizado como vinheta em um jornal cinematográfico americano.

Uma das maiores polêmicas da música brasileira envolveu Lamartine Babo. Com seu talento incontestável e instinto apurado, ele resgatou da gaveta, onde ficou guardada por dois anos na gravadora, a marcha “Mulata”, composta pelos pernambucanos Irmãos Valença. Lamartine a adaptou ao estilo carioca e, com a colaboração de Pixinguinha, que criou uma introdução vibrante e irresistível, transformou-a no maior sucesso carnavalesco de todos os tempos: “O Teu Cabelo Não Nega”. Diante disso, os compositores de Pernambuco protestaram e foram finalmente reconhecidos como coautores da música.

E agora com o avanço da inteligência artificial (IA), o plágio na música pode assumir novas dimensões, trazendo desafios e questões inéditas para a indústria musical. A IA tem a capacidade de analisar e gerar músicas baseadas em padrões, estruturas e estilos existentes, o que levanta questões sobre a originalidade e os direitos autorais.

A indústria musical terá que encontrar novas formas de garantir a proteção dos direitos dos artistas enquanto lida com as possibilidades criativas proporcionadas pelas tecnologias emergentes.

Em suma, e apesar de tudo, nossa MPB segue imune a esses desvios, mantendo-se, sem dúvida, como uma das mais inspiradas e criativas expressões musicais do mundo.

João Pessoa, novembro de 2024.