O DIÁLOGO ENTRE O FUTEBOL E A MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
Demétrius Faustino
Amores e paixões sempre foram e continuam sendo temas recorrentes na canção brasileira, até porque sempre houve um populismo condescendente a referenciar esse estilo. Entretanto, a partir do século XX, a começar pelo ano de 1919, uma nova paixão do povo brasileiro passou também a marcar presença constante no repertório da nossa música popular: o futebol.
A paixão se fortaleceu quando o Brasil sediaria o Campeonato Sul-americano de Futebol em 1918, mas que precisou ser adiado para 2019 em razão da pandemia de Gripe Espanhola, e que depois de amenizada, o torneio se realizou e o Brasil chegou à final dessa competição contra o Uruguai, decidindo a partida na segunda prorrogação com um gol do paulista Arthur Friedenreich, o “El Tigre”. Foi a primeira grande conquista do país no futebol, e a primeira estrela a ser colocada na camisa, e num momento de grande comoção nacional, pois sucedia a uma pandemia que ceifou a vida de milhares de brasileiros, entre os quais Rodrigues Alves, o recém-eleito Presidente da República.
O palco adequado para o nascimento da paixão pelo futebol foi logo retratado pela música, pois ainda em 1919, Pixinguinha e Benedito Lacerda compuseram a célebre “Um a Zero”, cujo choro instrumental traduz musicalmente os acontecimentos daquela histórica partida de futebol.
E o que ficaria para a música, além da primorosa execução instrumental de Pixinguinha e da letra colocada por Nelson Ângelo, violonista do Clube da Esquina, seria o poder de encantamento destes sons e da poesia. Foi um gol de placa de Pixinguinha.
Estava representado por escrito a emoção daquele momento, e desde então o esporte preferido dos brasileiros é tema de muitas canções.
Algumas delas narram fatos e descrevem personagens históricos, enquanto outras são confissões de amor pelo futebol e pelos elementos presentes nele.
Sobre personagens históricos, por exemplo, convidados para compor a trilha sonora do filme “Tostão, a Fera de Ouro”, Milton Nascimento e Fernando Brant escreveram canções que ultrapassaram aquele período específico.
Garrincha pendurou as chuteiras em 1972, ao defender o seu último clube profissional, o Olaria. O “Anjo Das Pernas Tortas” foi considerado o melhor jogador da Copa no Chile, principalmente após a contusão de Pelé. A música “Balada Número 7: Mané Garrincha” foi composta em alusão ao número histórico usado às costas pelo ídolo.
Há ainda aquelas músicas em que o futebol surge apenas de forma adjunta para comunicar outra mensagem, que não a futebolística, como é o caso de “Falando de Amor”, de Tom Jobim, que diz: “quando passas, tão bonita, nessa rua banhada de sol, minha alma segue aflita, e eu me esqueço até do futebol”.
Ou o caso de “Cotidiano nº 2”, do mesmo autor: “Há dias que eu não sei o que me passa, eu abro o meu Neruda e apago o sol, misturo poesia com cachaça e acabo discutindo futebol”.
Entre tantas músicas que celebram fatos e personagens, podemos lembrar de “Camisa Dez”, de Hélio Matheus e Luís Vagner, cantada por Luís Américo, que no início da música pede desculpas, mas não perdoa o “Velho Lobo”, pois critica o então técnico da Seleção Brasileira, Zagalo, por não encontrar uma proposta de jogo para o time, nem sucessor para Pelé no meio de campo.
O atacante flamenguista, Fio Maravilha, ganhou uma música em sua homenagem composta por Jorge Ben depois de “fazer uma jogada celestial” e marcar o gol decisivo da vitória do Flamengo em um amistoso contra o Benfica, de Portugal.
Enfim, os exemplos mencionados são apenas uma pequena amostra de como a música popular brasileira tem sido imprescindível para exprimir o amor pelo futebol.
Ademais, cantar o futebol é apenas uma das vertentes da relação de múltiplas dimensões entre o esporte mais querido dos brasileiros e a música.
João Pessoa, junho de 2024.