Novo artigo de DEMÉTRIUS FAUSTINO: O Fogo do Coité

O FOGO DO COITÉ

Demétrius Faustino

Já é de conhecimento que o Cangaço foi um fenômeno, acometido por crimes e violências em quase todo o sertão do Nordeste do Brasil.
Um dos precursores do cangaço foi o célebre José Gomes, o endemoniado Cabeleira, que apavorou as terras pernambucanas por volta de 1775. Outro que marcou época foi Jesuíno Alves de Melo Calado, o Jesuíno Brilhante, único cangaceiro do estado do Rio Grande do Norte, e isto por volta de 1844 a 1879. Jesuíno ficou famoso por repartir entre os pobres os alimentos que saqueava dos comboios do governo.

Entretanto, pela valentia e arrojo de suas ações o primeiro a merecer o título de Rei do Cangaço, foi o pernambucano Antônio Silvino, o “Rifle de Ouro”, que entre suas façanhas, desagregou trilhos, perseguiu engenheiros e sequestrou funcionários da empresa inglesa Great Western, que construía ferrovias no interior da Paraíba, muito embora Lampião quando de sua famosa entrevista ao médico Octacílio Macêdo, no sobrado de João Mendes de Oliveira, em Juazeiro do Norte – Ceará, no ano de 1926, o tenha chamado de covarde pelo fato de ter se entregado a polícia.

Em 1907 é a vez de Sebastião Pereira e Silva, o Sinhô Pereira que ingressa no cangaço juntamente com seu primo, Luiz Padre, após o assassinato de um dos patriarcas da família, famoso político local.
Pois bem. Nesse período de liderança de Sinhô Pereira (já em 1919), há um fato que envolve o bisavô do subscritor deste texto, José Inácio de Souza, e que passamos a contá-lo, como verdadeiramente aconteceu.
Havia um representante da igreja na região do cariri cearense, de nome Padre José Furtado de Lacerda, ou simplesmente, o Padre Lacerda, e que era parente do Coronel Domingos Leite Furtado. Com a morte deste poderoso chefe político de Milagres no Ceará, seu braço direito e armado, o Major José Inácio de Souza, fazendeiro abastado no município do Barro, também no Ceará, conhecido como Zé Inácio do Barro, passou a cobrar da família do falecido, certa quantia em dinheiro, em razão da prestação de relevantes serviços ao Coronel, e por não obter êxito no seu intento, adentrou o Sítio Nazaré, da viúva D. Praxedes de Lacerda, para fazer tal cobrança.Tal fato chancelou a inimizade entre a família Furtado, notadamente na figura do Padre Lacerda, pároco da Vila de Coité, pertencente ao Município de Mauriti, e o Major Zé Inácio do Barro.

É importante destacar, que o Major Zé Inácio foi um dos mais poderosos homens daquela região, com influência forte em municípios como Milagres, Mauriti, Aurora, Missão Velha. Foi ainda protetor de cangaceiros, inclusive, de Sinhô Pereira e seu bando, e conseguiu formar e fomentar um verdadeiro exército de cabras e cangaceiros sempre a seu comando. Basta dizer que um de seus filhos, o Tiburtino Inácio de Souza, foi por um bom tempo lugar-tenente de Lampião.
Em razão do não pagamento pela prestação dos serviços por Zé Inácio ao Coronel Domingos Leite Furtado, no ano de 1922, ano em que Lampião e seus irmãos, eram apenas modestos cabras do senhor das armas Sinhô Pereira, a Vila de Coité foi invadida por este e mais setenta cangaceiros, e diante de tal situação, o Padre Lacerda encarando os desafios da sobrevivência no sertão, deixou de lado sua bíblia e seu terço, tomando forma de homem comum, armou-se de rifle juntamente com um razoável grupo de homens também armados.

Durante seis horas o fogo tomou conta de Coité, no que obrigou os cangaceiros a recuarem, inclusive, em razão da chegada de reforço composto pelas polícias de Mauriti e Milagres, que não se contentaram, e ato contínuo atacaram o bando de Sinhô Pereira na Fazenda Queimadas, sendo necessário que este dividisse o grupo em três: um grupo com Lampião, outro com Baliza e o resto com o próprio chefe, conseguindo assim furar o cerco, e seguir para o coito, no Barro, nas terras do Major Zé Inácio.
O lado negativo para o Major no Fogo do Coité, foi a morte de três dos seus cabras, e diversos cangaceiros feridos, inclusive Antônio Ferreira, irmão de Lampião.

O Major sempre saia vitorioso nos seus embates, contudo, no Coité não obteve êxito.

João Pessoa, maio de 2020.