MARCA REGISTRADA – Novo artigo de Demétrius Faustino

MARCA REGISTRADA

 

Demétrius Faustino

 

Gestos espetaculares fazem parte da identidade do artista, moldando sua imagem e sua relação com os fãs. A escolha de como se vestir, se mover ou se expressar no palco também é uma declaração de estilo e personalidade. O impacto desses gestos vai além da performance musical, influenciando a cultura, a moda e até mesmo a percepção do próprio gênero musical. Senão, vejamos:

Ivete Sangalo sobrevoou a multidão do Rock in Rio pendurada em uma tirolesa, arrancando aplausos antes mesmo de cantar a primeira nota. A cena impressionante levanta uma questão que ultrapassa o momento: qual é o papel desses gestos extraordinários na música?

Ao longo da história, artistas não se limitaram apenas às suas vozes ou instrumentos, pois criar uma marca pessoal ou um truque distintivo tornou-se quase tão importante quanto a música em si. Michael Jackson eternizou o “moonwalk”; Pete Townshend, do The Who, fazia da destruição de guitarras um ritual; Ozzy Osbourne chegou ao extremo de morder a cabeça de um morcego no palco. Esses momentos marcantes transcendem a arte sonora, transformando o artista em um ícone cultural.

O recurso ao espetáculo não é novidade. Em diversas culturas e épocas, artistas recorreram a estratégias para captar a atenção e criar uma identidade que os diferenciasse. É um lembrete de que o palco é, além de um espaço musical, um terreno para o extraordinário — onde o público espera ser encantado, desafiado e surpreendido.

Assim, o que parece um “truque” pode, na verdade, ser parte essencial da experiência artística, reafirmando que a música, por vezes, é tão visual quanto sonora. Afinal, quem assiste a Veveta voando não se esquece facilmente desse momento, e a memória visual acaba se entrelaçando com a trilha sonora que o acompanha.

Nesse cenário, o jazz sempre foi um terreno fértil para a inovação e o inusitado. O trompetista, cantor e compositor Dizzy Gillespie, por exemplo, criou um trompete com a campânula virada para cima, ou seja, um design sem função prática, mas que se tornou uma marca registrada sua; o pianista Erroll Garner, com sua balada instrumental e que tinha uma estatura baixa, empilhava catálogos telefônicos para conseguir alcançar o teclado — ao invés de simplesmente girar o banquinho; Duke Ellington nunca usava o mesmo terno duas vezes; os músicos de Glenn Miller eram exigidos a manter uma aparência impecável, com os lenços no bolso do paletó sempre perfeitamente alinhados; as big bands de swing, por sua vez, combinavam música e dança, obrigando seus músicos a executarem coreografias elaboradas enquanto tocavam os trombones, criando um espetáculo tanto visual quanto sonoro.

No Brasil, a história da música sertaneja tem um toque de tradição misturado com a ousadia das novas gerações. As antigas duplas sertanejas se vestiam à moda das festas juninas, com chapéus de palha e camisas xadrez, símbolo de simplicidade e autenticidade cultural. No entanto, as duplas modernas preferem se fantasiar de cowboys americanos, adotando um estilo mais influenciado pelo universo do country dos Estados Unidos; Cantores como Waldik Soriano, ousavam até se vestir como o lendário Bat Masterson, criando uma imagem de “mestre do sertão” com um toque de Hollywood; Já o emocionado Orlando Dias, com seu estilo ultrarromântico, fazia questão de chorar de verdade enquanto cantava suas músicas, retirando um lenço do bolso para se enxugar, tocando o público com sua entrega genuína.

E tem mais:

Na MPB, ícones como Nara Leão e Wanderléa marcaram gerações. As pernas de Nara se tornaram icônicas antes das minissaias de Wanderléa, que trouxeram um novo estilo de feminilidade para o palco. E, óbvio, Elis Regina, com seus vestidos afoitos e braços que giravam como instrumentos visuais, foi a pioneira a trazer as axilas para o centro das atenções, desafiando convenções e criando uma nova estética na música brasileira.

Cada uma dessas figuras não só moldou o cenário musical, mas também refletiu, através de suas roupas e gestos, as transformações culturais e sociais do Brasil em diferentes épocas.

João Pessoa, dezembro de 2024.