ECOS DE UM ENCONTRO: ROMEU, NELSON E A VOZ QUE NÃO SE APAGA – Artigo de Demétrius Faustino

ECOS DE UM ENCONTRO: ROMEU, NELSON E A VOZ QUE NÃO SE APAGA

 

Demétrius Faustino

 

No coração de Cajazeiras, onde o sertão canta alto e o tempo parece respeitar a memória dos grandes, havia uma voz que não se ouvia — sentia-se. Voz de veludo, voz de saudade, voz que vinha de dentro do peito, como quem fala com o rádio ligado na alma.

Era ele: Romeu Antonio, o dono da frequência, o senhor das manhãs de domingo embaladas pelo timbre inconfundível de Nelson Gonçalves.

Era o “Encontro com Nelson” — mas, mais do que um programa, era um ritual de aconchego: no rádio da cozinha, no radinho de pilha do pedreiro, no táxi parado à sombra de uma árvore. Uma missa sem sermão, uma reza com fundo musical, um encontro marcado entre um locutor e a memória afetiva de um povo que ainda sabe sentir.

Ele começava sempre do mesmo jeito: com uma vinheta simples e uma saudação que parecia um abraço.

E então vinha a voz. Aquela voz. A que conhecia o tom certo de cada silêncio entre as músicas, a que sabia pronunciar o nome de cada ouvinte com o carinho de um velho vizinho, a que recitava histórias de amor, perda e reencontro com a mesma dignidade com que se ergue uma prece.

Nelson Gonçalves, o cantor das manhãs de domingo, encontrava sua morada definitiva ali, naquela sintonia exata entre a Rádio Alto Piranhas e os corações da cidade. Mas era ele, o radialista, quem fazia esse encontro acontecer: mediador de emoções, maestro de sentimentos, guardião da saudade sertaneja.

E quem o ouvia, não esquecia. Porque, naquele tempo em que tudo parecia correr demais, ele fazia o tempo parar. Aos domingos, Cajazeiras e cidades vizinhas silenciavam para escutar aquela hora sagrada. Era como se o sertão respirasse mais devagar, em compasso com a música, com a memória, com a vida.

Sem esquecer da audiência via internet, formada por inúmeros fãs.

E ali, naquele sentimental estúdio da Rádio Alto Piranhas, onde o som ecoava mais longe do que as ondas podiam alcançar, o radialista Romeu Antonio fazia sua mágica cotidiana. Ele não apenas anunciava músicas — apresentava-nos a poesia embriagada das manhãs boêmias e o anúncio da tomada do “remédio”. O rádio era seu templo, e Nelson Gonçalves, seu santo de devoção.

Hoje, o microfone está mudo, a cadeira, vazia, Chico Dundum não toca mais — é só prece e nada mais. E nós, ouvintes órfãos, sentimos no peito o peso do silêncio que ficou.

Como alento, dizemos que morreu o homem, mas não a voz. Porque há vozes que desafiam o tempo, que se misturam ao vento, que seguem vivas em cada “A Volta do Boêmio” ou “Fica Comigo Esta Noite”, que alguém resolve tocar com os olhos marejados, lembrando do velho programa apresentado por Romeu, nosso Catatau.

Dizem que o rádio é efêmero, que a voz se desfaz no ar como fumaça, que tudo o que se fala ali morre assim que o botão é desligado — como um sussurro levado pelo vento.

Mas há exceções. Há vozes que não se apagam — assentam-se. Instalam-se feito poeira fina sobre a mobília antiga da memória da gente.

E a dele, ah, a dele… não apenas ficou: virou parte da paisagem sonora de uma cidade inteira. Não precisava de grandes efeitos nem de pressa. Sua fala era cadenciada, como as passadas de um vaqueiro na caatinga: firme, segura, carregada de verdade. Era uma voz que não gritava — acolhia.

Hoje, faz quase um ano que o boêmio partiu para o andar de cima. Mas deixou um eco — suave, sereno — que ainda passeia pelas esquinas da cidade e sussurra ao ouvido de quem viveu aquele tempo com o coração aberto.

A voz silenciou, mas o “Encontro com Nelson” permanece — agora eterno, gravado nas memórias de quem aprendeu a escutar com a alma.

Continue em paz, mestre do vinil e da emoção. Que, onde estiver, siga no seu eterno encontro com Nelson — agora, no céu das ondas curtas, com plateia de estrelas e transmissão direta para os corações que ainda sabem sentir.

E nós, aqui embaixo, continuamos sintonizados… na frequência da saudade.

João Pessoa, maio de 2025.