ELES TAMBÉM ESCREVEM SOBRE FUTEBOL
Demétrius Faustino
Graciliano Ramos, é indubitavelmente um dos maiores escritores da literatura universal, notadamente por apresentar em suas obras a realidade da vida no sertão nordestino do Brasil, mas nem por isto deixou de cometer seus deslizes, assim como tantos outros intelectuais, quando o assunto é futebol. Aliás, sempre que se trata da relação entre intelectuais e futebol no Brasil, costuma-se recordar daqueles que malograram em suas profecias feitas sobre esse esporte no começo do Século XX, e Graciliano é um desses.
O famoso escritor alagoano declarou no ano de 1921 ao jornal “O Índio”, às vésperas da chegada do esporte “dos países civilizados” em Palmeira dos Índios, cidade nordestina onde foi prefeito e dedicou boa parte de sua vida: o futebol não pega, tenham a certeza. Como diria Noel foi um palpite infeliz, pois a história expressou rigorosamente o contrário, já que a prática do futebol criou profundas raízes em todo o país, ajudando a construir a identidade nacional brasileira.
José Lins do Rêgo tinha a alma intensamente envolvida com o futebol, mas antes disso, no de 1947, se definiu da seguinte forma: Não gosto de trabalhar, não fumo, durmo com muitos sonos, e já escrevi 11 romances. Se chove, tenho saudades do sol; se faz calor, tenho saudades da chuva. Vou ao futebol, e sofro como um pobre-diabo.
Mas esse sofrimento virou paixão quando o autor de Fogo Morto afirmou: Reclamando, enfezado, irritando até as traves dos gols, ainda é ele o melhor. O mais eficiente, o de mais classe,o mais capaz. Depois que Leônidas se foi, ou melhor, depois que acabou o futebol de Leônidas, o que existe por aí é o futebol de Heleno.Edilberto Coutinho, primeiro brasileiro a ganhar o prêmio “Casa de Las Américas”, de Havana, com o livro “Maracanã, adeus: onze histórias de futebol”, nos revela neste livro, as melhores, entre as mais de mil crônicas escritas por Zé Lins do Rêgo, entre 1946 e 1957. Eis um trecho de uma delas, e que é genial:
O tricampeonato do Rubro-Negro carioca, em 1944, é mais importante para o povo brasileiro, do que as batalhas de Stalingrado. Cita ainda Edilberto, que Zé Lins, ao mesmo tempo, lembrava – em conversas e nas suas crônicas da rubrica Esporte e Vida, no Jornal dos Sports do Rio de Janeiro, onde escreveu nas décadas dos 1940 e 50 – que o Flamengo estava na Guerra da Europa. Inclusive, acrescentava, tendo dispensado para isto seu principal artilheiro, seu canhão, seu tanque de guerra… como era referido, nas charges da época o comandante-de-ataque do Flamengo, Perácio (tipo inesquecível do folclore esportivo e um dos chutes mais potentes da história do futebol brasileiro).Já Rachel de Queiroz deixou-nos uma belíssima crônica contando por que se apaixonou pelo Vasco da Gama, apesar de seu marido ser Fluminense, e ainda ter que aguentar os apelos do escritor José Lins do Rego tentando arrastá-la ao Flamengo. Na conclusão do texto a autora de O Quinze revela: Não sei. Amor é assim: você vai atravessando a rua e de repente vê um cara e ele te olha, você olha para ele e pronto: apaixonou!
Portanto, enganam-se aqueles que afirmam que os escritores brasileiros não escrevem sobre futebol. Ora, também escreveram sobre futebol o Lima Barreto, Mauro Russo, João Ubaldo, Moacyr Scliar, Rubem Fonseca, João Antônio, Loyola Brandão, Hilda Hilst, sem esquecer de Mário Filho e do anjo pornográfico (estes são suspeitos), e de tantos outros. Tinha que ser assim, pois o futebol é a paixão nacional mesmo. Não é à toa que Chico Anysio dizia que só é ator porque esqueceu o tênis.Carlos Drummond de Andrade também escreveu crônicas e versos no livro Quando é dia de futebol, e em um dos seus momentos inspiradores o poeta mineiro de Itabira do Mato Dentro, ironiza: O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé.João Pessoa, outubro de 2019.