ANCELOTTI NA SELEÇÃO: A ELEGÂNCIA INVADIU O VESTIÁRI
Demétrius Faustino
Quem diria? O Brasil, terra do futebol moleque, do drible irreverente, da ginga que nasce no asfalto rachado e se transforma em arte nos gramados, agora entrega sua camisa mais sagrada — a amarelinha — a um italiano de cabelos impecáveis, paletó alinhado e olhar clínico. Um homem que não precisa levantar a voz para ser respeitado. Que fala mais com a sobrancelha arqueada do que com os punhos cerrados. Carlo Ancelotti — ou melhor, Carleto, como a torcida já começa a apelidar com aquele jeito afetuoso e debochado que só o brasileiro domina: mistura de zoeira e acolhimento, de desconfiança e esperança. É quase um batismo informal: se virou apelido, é porque a arquibancada já abriu um cantinho no coração.
É oficial: contratamos a sobriedade. E que contraste. Se por décadas nos acostumamos a técnicos que eram parte animador de torcida, parte estrategista — uns surtando à beira do campo, outros rezando entre substituições — agora temos um maestro que rege com a ponta dos dedos e a calma de quem já viu de tudo.
Ancelotti não grita, não promete revolução, nem samba no vestiário. Não gesticula como um técnico sul-americano no segundo tempo de clássico. Ele não precisa disso. Treinado no silêncio dos bastidores e no ruído das grandes decisões, chega com currículo que faria até Telê suspirar. É o homem que já comandou Cristiano, Kaká, Pirlo e Benzema com a mesma tranquilidade com que toma um expresso. E agora, vem liderar um time que ainda busca reencontrar sua identidade — entre a saudade de 2002 e o trauma de 7 a 1.
A escolha diz muito sobre nós. Talvez estejamos cansados do improviso. Talvez seja a hora de admitir que o talento não basta quando falta método. O Brasil, acostumado a salvar partidas com lampejos de gênio, agora quer disciplina. Quer projeto. Quer organização — ainda que isso custe um pouco da espontaneidade que sempre foi nossa marca.
Ancelotti chega como quem entra em casa alheia com sapato limpo. Respeita a história, mas traz seu estilo. Vai ter que entender que aqui o torcedor xinga e reza na mesma frase. Que todo menino com a camisa 10 se acha o novo Neymar. Que a crítica vem antes da estreia, e a saudade do técnico anterior também.
Mas talvez seja justamente disso que precisamos: de alguém que não nasceu no caos, para organizar a bagunça. De alguém que não viveu as frustrações recentes, para olhar com frescor o que ainda pode ser feito. Alguém que veja, por fora, o que às vezes não conseguimos ver por dentro.
A contratação de Ancelotti é, antes de tudo, um sinal. De que talvez o futebol brasileiro esteja cansado de depender do talento solitário. Que quer voltar a ser potência — com bola no pé e ideia na cabeça. E se para isso for preciso importar um pouco de frieza europeia, que seja. Desde que ela venha servida com gols, finais e, quem sabe, um título para aquecer de novo o coração do torcedor.
Seja bem-vindo, Ancelotti. Aqui é Brasil — onde o futebol ainda é religião, paixão e drama em noventa minutos. Que você tenha sabedoria para lidar com a fé da torcida e coragem para atravessar o fogo do nosso calendário, das cobranças e das eternas comparações. Boa sorte: você vai precisar tanto de estratégia quanto de alma.
João Pessoa, 18 de maio de 2025.