A NOVA ERA DO BANCO DE TRÁS – Artigo de Demétrius Faustino

A NOVA ERA DO BANCO DE TRÁS

Demétrius Faustino

Houve um tempo em que sentar no banco da frente de um carro de aplicativo era um direito tácito, quase um gesto de cortesia entre passageiro e motorista. “Pode ir na frente, se quiser”, dizia o condutor, e lá ia o cliente, sentindo-se um co-piloto da viagem, participando das conversas sobre o trânsito, o clima ou as agruras da vida.
Mas eis que veio a pandemia, e junto com ela, o distanciamento social, o álcool em gel e a ascensão triunfal do banco de trás. Compreensível, afinal, todo mundo queria se proteger. Só que o vírus se foi, as máscaras caíram, e um novo costume emergiu: o banco do carona agora pertence ao motorista. Um território sagrado, um templo de pertences pessoais. Lanches, garrafas d’água, casacos, cuecas, meias, mochilas e até um travesseirinho — que, juro, já vi uma vez — tornaram-se os novos ocupantes desse assento outrora democrático.
O passageiro, outrora um viajante com opções, agora se vê condenado ao banco traseiro, como se fosse um figurante em sua própria corrida. As ruas antes familiares, onde já escolheu caminhos e paradas, agora se tornam um borrão através do vidro manchado. Ele não conduz mais, não decide mais.
“Senta atrás, por favor”, diz o motorista, sem olhar nos olhos, como quem dita uma ordem já incontestável. Com uma mão no volante e a outra ajeitando displicentemente o lanche no console, parece alheio ao desconforto do outro. A mensagem está clara: há uma hierarquia invisível ali, um limite não dito.
E lá vai o usuário, resignado, aceitando sua nova condição de passageiro de segunda classe. Sem direito a opinar sobre a temperatura do ar-condicionado, sem poder escolher a música ou sugerir um caminho diferente. Apenas um número em um aplicativo, um nome na tela, um destino traçado sem espaço para desvios.
A cidade continua pulsando ao redor, indiferente ao seu deslocamento passivo. Ele olha para o retrovisor, mas os olhos do motorista permanecem fixos na estrada, ignorando sua presença. Afinal, quem se importa com o passageiro quando ele já não é mais dono da própria viagem?

O curioso é que o banco de trás já foi símbolo de status. Quem nunca se imaginou como um figurão, sendo conduzido com classe, sem precisar se preocupar com o volante? Mas não é o caso. Aqui, não há luxo, tampouco glamour. O que há é um exílio silencioso, uma barreira invisível entre duas pessoas que poderiam muito bem dividir uma conversa sem a necessidade de um espaço separador.
Há algo quase cômico nisso tudo. O motorista, que antes era o anfitrião cordial, agora se transformou em um ermitão do volante, cercado de suprimentos como se estivesse se preparando para uma longa jornada solitária. Tem garrafa térmica, pacote de bolachas, fones de ouvido e até um cobertor dobradinho, como se o carro fosse uma extensão do seu próprio quarto. Enquanto isso, o passageiro, que paga pela corrida, fica lá atrás, encolhido, sem nem poder decidir se quer sentir o vento da janela da frente. E o pior de tudo: para quem é deficiente, imagina a dificuldade de entrar e, principalmente, sair pela porta de trás. E se você tem uma altura considerável? Isso vira um verdadeiro desafio.
A pandemia passou, mas algumas regras informais permaneceram. O banco da frente, agora, é um espaço intocável, um camarote VIP onde só os pertences do motorista têm acesso. E nós, passageiros, seguimos no banco de trás, olhando pela janela, sentindo que, de alguma forma, a viagem nunca mais será a mesma.
Talvez, um dia, o banco do carona volte a ser de quem paga a corrida. Talvez o motorista perceba que, afinal, compartilhar o espaço pode ser mais humano do que se isolar em seu próprio casulo. Até lá, seguimos sentados atrás, com uma certa nostalgia, lembrando dos tempos em que o destino não era tão solitário e a viagem se aproximava mais de uma conversa do que de um monólogo.
Sem esquecer que, ao solicitar um carro pelo app, espera-se que todos os assentos disponíveis possam ser utilizados.
João Pessoa, março de 2025.