CRIMINOSOS EM REPOUSO ABSOLUTO
Demétrius Faustino
De uns tempos pra cá, parece que o Brasil virou um imenso ambulatório judicial. A cada nova condenação, surge também uma nova doença, como se a prática de crimes graves estivesse diretamente ligada a diagnósticos médicos complicadíssimos.
Veja o caso do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Condenado a quase nove anos de prisão por lavagem de dinheiro e corrupção, ele agora foi autorizado a trocar a cela por sua mansão de novela, construída – ironicamente – com o dinheiro da própria corrupção. Alegou sofrer de Parkinson, transtorno bipolar e apneia do sono. Essa última, além de tirar o sono, parece render bons argumentos jurídicos. Segundo seus médicos, roncar alto virou motivo suficiente para não cumprir pena em presídio.
E o pior é que a Justiça concedeu. Com o semblante compadecido de quem esquece o peso da toga, autorizou que o condenado cumpra pena entre colunas de mármore e cortinas de linho, cercado por jardins projetados, em vez de grades e concreto. No fim, o ronco falou mais alto que a lei — e Collor, mais uma vez, saiu pela porta da frente.
Não muito distante desse roteiro, está Telmário Mota, ex-senador de Roraima. Condenado por abusar sexualmente da filha e investigado pelo assassinato da ex-mulher, também conseguiu converter sua prisão em regime domiciliar. Sua ficha médica impressiona: depressão, apneia, problemas cardíacos, pedras na vesícula, artrose, hipertensão, tendências suicidas… Se estivesse em um hospital, diriam que precisava de um milagre. Mas no tribunal, bastou um laudo. E o juiz, sensibilizado, mandou-o para casa.
O caso dos réus do 8 de janeiro também é digno de nota. Condenados a longos anos por tentarem implodir a democracia, agora desfilam relatórios médicos para justificar o conforto do lar. Há os que sofrem com órgãos necrosados, outros com sopros no coração, e ainda aqueles afetados psicologicamente pelas agruras da prisão. E assim, lentamente, vão sendo autorizados a cumprir suas penas na segurança de casa, longe das grades e dos incômodos da Justiça.
É curioso como tantos criminosos só descobrem suas fragilidades físicas depois de condenados. Antes disso, pareciam gozar de plena saúde para conspirar, roubar e violentar. O ex-presidente Bolsonaro, talvez mais astuto, já se antecipou: se internou preventivamente. Um toque de esperteza, talvez?
No fim das contas, a impressão é de que o crime compensa – desde que venha acompanhado de um bom plano de saúde e um laudo bem redigido.
João Pessoa, maio de 2025.