A SEXTA-FEIRA DA PAIXÃO
Demétrius Faustino
Ah, a sexta-feira da Paixão… no calendário cristão, um dos dias mais significativos do ano. E, como tudo que envolve tradição, a forma como ela é vivida nos dias de hoje muda tanto quanto a velocidade do Wi-Fi. Em 2025, quem diria que a Sexta-Feira Santa seria, no fundo, um espelho da nossa sociedade digital?
As procissões agora são registradas em vídeos de 15 segundos, acompanhadas de filtros e trilhas sonoras emocionantes. O jejum virou post de engajamento, e a reflexão silenciada deu lugar a stories com trechos bíblicos cuidadosamente selecionados — e, claro, bem editados. Não é que a fé tenha desaparecido… ela só anda se expressando em linguagem de algoritmo.
Enquanto a maioria do povo vai à missa, se recolhe em reflexão ou até se engaja no famoso “rito de comer peixe” (o que, sinceramente, se tornou mais um exercício de culinária do que um ato de penitência), há algo de curioso acontecendo. Estamos, sem saber, passando por um processo de reflexão coletiva, mas talvez de um tipo mais sutil. A religiosidade tradicional e a espiritualidade mais fluida do século XXI se encontram nesse espaço, onde as telas do celular se tornam tão sagradas quanto o altar de uma igreja.
É como se cada postagem fosse uma pequena reza moderna, um jeito silencioso — ou nem tanto — de dizer: “eu também estou aqui, buscando algum sentido”. E mesmo que a busca seja confusa, feita entre notificações, receitas de bacalhau e trechos bíblicos repostados, ela ainda é uma busca. Talvez não tão solene quanto os antigos esperavam, mas ainda assim profundamente humana.
No entanto, é difícil pensar em “paixão” quando as pessoas estão tão imersas no pressentimento do fim de semana, nos preparativos para uma noite de sexta-feira que promete, no máximo, uma boa balada ou uma série de episódios na Netflix. E ainda assim, a sexta-feira da Paixão toca algo profundo, até mesmo no meio da agitação. Não é como nos tempos de outrora, quando todos paravam para olhar para a cruz e refletir. Mas o significado dessa data parece continuar, mesmo sem rituais visíveis. Talvez ele se manifeste na forma de inquietação, na busca por algo mais que a correria e o consumo.
É como se a nossa cultura fosse um grande filme de ação, onde a “paixão” de Cristo se traduz não mais na dor física, mas no peso da nossa própria existência. E não é só na Semana Santa que isso acontece. Todos os dias, somos desafiados pela exigência constante de sermos mais rápidos, mais produtivos, mais conectados, e ao mesmo tempo, a Sexta-Feira da Paixão aparece como um lembrete: a dor faz parte da jornada. O sofrimento é quase inevitável, mas o que importa é o que você faz com ele.
Nessa sexta-feira, 2025, talvez o verdadeiro convite seja ao silêncio. Sim, ao silêncio de um mundo que grita constantemente por atenção. Ao ato de parar, olhar para dentro e se perguntar: “Onde estou me entregando, o que realmente importa e o que eu estou disposto a carregar?” Afinal, a paixão de Cristo não foi apenas um ato de sofrimento, mas um convite para olhar além das aparências e compreender o que realmente move o coração humano.
Enquanto as notícias pipocam nas redes sociais, e a rotina impõe uma pressão constante sobre todos, que tal uma pausa? Uma pausa para refletir, nem que seja por alguns minutos, sobre o real significado de entregar-se àquilo que realmente importa. Seja através da fé, seja por meio da meditação ou simplesmente pela conexão com o outro.
A Sexta-Feira da Paixão, mesmo no caos contemporâneo, nos chama para algo maior. E, mesmo que de uma maneira imperceptível, ela ainda tem o poder de mexer com as nossas almas. Afinal, todos nós estamos, de alguma forma, lidando com nossas próprias cruzes, não é mesmo?
João Pessoa, abril de 2025.