SÃO PAULO, A CONSOLAÇÃO E A BOSSA NOVA – Novo artigo de Demétrius Faustino

SÃO PAULO, A CONSOLAÇÃO E A BOSSA NOVA

 

Demétrius Faustino

 

Para decepção de muitos, a bossa nova sob o ponto de vista comercial, teve como seu principal mercado a cidade de São Paulo, e não Rio de Janeiro, pois ela apenas surgiu na capital carioca.

De fato, a bossa nova surgiu no Rio de Janeiro no final da década de 1950, projetada por artistas como João Gilberto, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e outros frequentadores dos bairros de Ipanema e Copacabana. A cidade era o cenário perfeito para esse movimento musical, com sua atmosfera praiana e o hábito de vida marcado pela descontração, que serviram como inspiração para muitas das canções.

Em São Paulo, na primeira metade dos anos 1960, quando a cena musical da cidade se tornou um dos polos de efervescência cultural do país, a Rua da Consolação e seus arredores, no Centro, foram um verdadeiro epicentro para os músicos do período, com uma rede de bares e boates que serviam como pontos de encontro tanto para artistas quanto para o público que apreciava o novo estilo musical, bem como o teatro Paramount, atualmente teatro Renault, na avenida Brigadeiro Luís Antônio, que recebeu vários espetáculos promovidos por centros acadêmicos de faculdades, quase sempre sob a batuta do radialista e produtor musical Walter Silva, o Pica-Pau, e uma espécie de representante oficial da Bossa Nova na capital paulista.

Aliás, momento de relevância profissional de Walter Silva, foi quando, na qualidade de repórter, no histórico Festival de Bossa Nova, realizado no Carnegie Hall de Nova York, em 1962, foi contemplado com o Troféu Roquette Pinto, na categoria Melhor Disc Jockey.

Também aconteceram shows memoráveis de artistas icônicos como Elizeth Cardoso, Sylvia Telles, Alaíde Costa, Odete Lara e Lúcio Alves no teatro Cultura Artística, na rua Nestor Pestana, arrendado para a TV Excelsior a partir de 1960.

Os palcos paulistanos eram um caminho para aumentar a notoriedade e as remunerações dos artistas cariocas. E como bem disse o escritor Ruy Castro em seu livro “Chega de Saudade”, “São Paulo era a única cidade a pagar pelo que o Rio de Janeiro achava que devia ter de graça”.

E a partir do começo dos anos 60, houve uma febre bossanovista no lado paulista da ponte aérea.

Entre os bares e boates que reluziam na terra da garoa estavam o A Baiúca, situado na rua Augusta, uma das vias mais emblemáticas da cidade; o Cave, onde em um show de Johnny Alf, Vinicius de Moraes teria dito para o pianista: “Pegue sua mala e se mande para o Rio de Janeiro, porque São Paulo é o túmulo do samba”. Essa história é lendária, e ilustra bem a relação ambivalente entre a cena cultural paulistana e o universo do samba e da Bossa Nova. Lá se apresentava também Alaíde Costa; o Farney’s, que pertencia ao cantor Dick Farney, tocaram João Gilberto e João Donato e, quando já se havia convertido em Djalma’s, Elis Regina fez lá sua primeira apresentação em São Paulo; o João Sebastião Bar, o Bon Soir, o bar do Hotel Cambridge, o Sem Nome, o Chicote e o Michel, este onde hoje funciona a pizzaria Braz Elettrica, foi um palco frequente da cantora Maysa.

O João Sebastião Bar, atualmente endereço da Veridiana Pizzaria, reuniu gente como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Carlos Lyra, Claudete Soares e Chico Buarque.

A partir de 1964, vários espetáculos aconteceram no teatro Paramount, que também passou a ser um reduto da bossa nova, graças ao incentivo de Walter Silva. E conforme artigo de Bia Paes Leme publicado no site do Instituto Moreira Salles, o primeiro show no local foi no dia 25 de maio e se intitulou “O fino da bossa”, promovido pela Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP).

Apresentaram-se Rosinha de Valença, violonista conhecida por sua técnica impecável e por reinventar o uso do violão na música popular; Wanda Sá, Paulinho Nogueira, Jorge Ben e Nara Leão. A partir desse espetáculo, outros espaços abriram suas portas para a nova música brasileira, transformando São Paulo em um polo central para a difusão da Bossa Nova e da MPB, paralelamente ao Rio de Janeiro.

Em agosto, seria a vez de “Boa Bossa”, que teve como atrações Elis Regina e Silvio César; em outubro foi organizado “O remédio é bossa”, show de formatura da Escola Paulista de Medicina. Nele se apresentaram Tom Jobim, Vinicius, Elis, Os Cariocas, Sylvia Telles, Carlos Lyra, Marcos Valle, entre outros.

Em novembro aconteceram dois espetáculos no Paramount. O primeiro, foi “Mens sana in corpore samba”, com Toquinho, Taiguara e Chico Buarque. Esse evento, trouxe uma fusão de samba e reflexão sobre a saúde mental e física, aludindo ao famoso ditado latino “mens sana in corpore sano” (uma mente sã em um corpo são). O outro, foi a “1ª Denti-Samba”, da Faculdade de Odontologia da USP, que levou ao palco do teatro nomes como Walter Santos, Geraldo Vandré e Alaíde Costa, demonstrando como a Bossa Nova também estava ganhando espaço em eventos acadêmicos.

Nessa altura, São Paulo se havia consolidado como o grande mercado da Bossa Nova.

João Pessoa, novembro de 2024.