A CASA DOS HOMENS BONS
Demétrius Faustino
Estamos em ano de eleições municipais, e muitos que votam não se dão conta da importância de uma Câmara de Vereadores, para a dinâmica da política municipal.
A instituição Câmara Municipal, órgão fundamental na vida democrática das cidades brasileiras, originou-se na antiga Roma, e no Brasil, foi criada durante o período colonial, com o objetivo de organizar as vilas que se desenvolviam. A função mais importante do vereador, chamado à época de edil, era garantir o bem comum, como de fato, ainda é o objetivo.
Garante as nossas pesquisas, que tudo começou em 1532, quando São Vicente foi elevada à condição de vila, pois durante o período do Brasil Colônia, só tinham Câmaras Municipais as localidades que eram definidas como vila, numa condição que foi atribuída pelo Reino de Portugal.
Também através de pesquisas, encontramos um relato de que “para ser vereador na época do Brasil Colonial era preciso ser homem bom, ou seja, ser português, de boa instrução e ter prestígio entre os habitantes”. Os homens bons eram em geral grandes proprietários rurais e membros da pequena nobreza portuguesa.
Narra-se ainda, que a Câmara era formada por um juiz da terra ou ordinário (às vezes por um juiz de fora); três vereadores; um procurador; dois almotacéis (funcionários de confiança, equivalente a um oficial municipal, uma espécie de inspetor); e um escrivão, onde os vereadores votavam secretamente, e elegiam, entre seus pares, o juiz ordinário, para exercer a presidência da casa.
Toda essa narrativa nos leva a crer, e por óbvio, que as Câmaras de Vereadores sempre foram importantes e significativas no processo de representação popular.
Pois bem. Onde hoje se situa o Largo da Catedral Basílica de Nossa Senhora das Neves e o Mosteiro de São Bento, na Rua General Osório, antiga Rua Nova, no Centro Histórico da nossa capital paraibana, ocorreram as primeiras expansões da Câmara Municipal de João Pessoa.
Na visão do historiador Irineu Pinto, em 1610, no Brasil Império, a Câmara da cidade já tinha estabelecido os limites de seu termo e situava-se no largo, no meio da cidade, cuja edifício com construção findou-se em 1703.
Até o ano de 1947, narra ainda Irineu Pinto, não existiam elementos documentais que permitissem comprovar a data exata de instalação da hoje Casa Napoleão Laureano, havendo ainda um vazio no que se refere à sua vida institucional, embora existam referências à sua existência em documento datado de 1589. Assim sendo, sua existência pode ser considerada desde antes de 1947.
O fato é que, com a edição da Constituição Federal de 1946, na esfera municipal e estadual, o princípio federalista foi prestigiado com a devolução da autonomia política anteriormente concedida. E a história também conta, que era sexta-feira, 14 de novembro de 1947, quando, nas proximidades do Pavilhão do Chá (localizado na Praça Venâncio Neiva), ocorria uma festa cívica de reencontro da cidade com a democracia, e eis que convocados pela Justiça Eleitoral, tomavam posse no pavimento térreo do prédio da Sociedade de Medicina (localizado em frente ao atual prédio-sede da Câmara pessoense), na Rua das Trincheiras, 42, os homens bons (vereadores) eleitos em 03 de outubro de 1946, cujas testemunhas eram a própria população.
Em verdade, após um longo período de inatividade, a Câmara Municipal de João Pessoa reiniciou suas funções em 1947, dois anos depois do fim da ditadura de Getúlio Vargas. Chamado eufemisticamente por seus adeptos de “Estado Novo”, o regime comandado por Vargas havia sido instaurado formalmente no país em 10 de novembro 1937. Ele já governava o país desde 1930, mas havia a determinação, contida na Constituição de 1934, de que, para sua sucessão, seriam realizadas eleições presidenciais em janeiro de 1938. No entanto, a promessa de Vargas de que as eleições seriam realizadas “numa saudável atmosfera de liberdade”, não se consumou, mas o seu projeto continuísta sim, instaurando-se no país, com o apoio de forças políticas civis e militares, um agressivo regime ditatorial que durou até 1945.
Mas enfim, em 1947 com o reinício da atuação da Câmara junto com a própria eleição dos novos vereadores, o cenário político nacional e estadual foi fortemente impactado em razão dessa redemocratização.
Estava consolidado o Poder Legislativo Municipal de João Pessoa, e que até hoje cumpre um papel imprescindível perante a sociedade, desempenhando três funções primordiais para a consolidação da democracia como faz todo parlamento municipal: representar a população, legislar sobre os assuntos de interesse municipal e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos.
E nesse mundo hodierno, com o desenvolvimento cada vez mais flash da tecnologia, ficou mais fácil o acesso imediato para o cidadão falar com o parlamentar, e ajudá-lo inclusive a fazer leis para o bem-estar da população.
Destaque-se ainda, e a respeito da Casa Napoleão Laureano, que depois de um bom tempo, foram localizados mais de 200 documentos históricos da antiga Câmara Municipal da Cidade da Parahyba, com cerca de 700 páginas. Tais documentos foram encontrados nos arquivos da atual Câmara Municipal de João Pessoa, no centro da cidade.
Com dados sobre a vida cotidiana da população, no período entre os séculos XVIII até o início do século XX, os documentos estão sendo estudados há um bom tempo pelo Departamento de História da UFPB, junto com um grupo de alunos, onde está se fazendo um processo de higienização, restauração, catalogação e transcrição desse material.
Ao folhear os arquivos, a equipe identificou situações curiosas, sendo uma delas, uma correspondência de 1825, enviada da cidade de Londres, na Inglaterra. Na documentação, havia uma tentativa de vender para a Câmara Municipal uma máquina que prometia restaurar vidas de pessoas afogadas.
Em outro documento, foram verificados conflitos em relação à distribuição de água em João Pessoa, na época, Cidade da Parahyba. No material observado, há um registro que fala sobre uma cacimba de água que abastecia uma parte da cidade baixa. Esse reservatório teria sido apossado por um padre que, logo em seguida, passou a cobrar pelo abastecimento.
São essas rápidas considerações sobre o parlamento municipal, cujo objetivo é demonstrar que este é o local mais importante de atuação dos vereadores, pois é onde exercem o papel de legisladores e de fiscalizadores da Administração Municipal.
Neste ano eleitoral, será preciso avaliar com ponderação para ver até que ponto a democracia estará preservada, pois um franco-atirador não nos serve, já que este tem todas as qualidades e defeitos de um aventureiro.
Se ainda há espaço para salvador da pátria, algo está errado na nossa política partidária ou, mais profundamente, na nossa sociedade.
João Pessoa, setembro de 2024.