Por: Só Esporte
A grande imprensa teve papel decisivo no processo de mitificação das “grandes estórias” sobre o Campeonato Brasileiro de 1987, o que contribuiu substancialmente para o acirramento da disputa judicial entre Sport e Flamengo. Esta é a conclusão do jornalista Costa Filho após defesa da dissertação no Mestrado em Jornalismo Profissional do Programa de Pós-Graduação em Jornalismo (PPJ) da Universidade Federal da Paraíba. Sob orientação do professor Pedro Nunes Filho e aprovado com louvor pela banca examinadora, o trabalho acadêmico apresentou como tema os “Conflitos e tensões jornalísticas em relação à exclusividade do título do Sport Club do Recife”.
Para Francisco de Assis Costa Filho, que integra o quadro funcional da TV UFPB, o grande desafio foi provar que, embora respaldada juridicamente e mesmo contando com a chancela da Confederação Brasileira de Futebol, a conquista do Sport jamais obteve o reconhecimento da chamada grande imprensa. “Meu objetivo principal foi analisar a atuação da denominada grande imprensa em relação à cobertura daquele evento esportivo, ocasião em que constatei marcas insofismáveis de tendenciosidade, manipulação e omissão”, disse.
Segundo o pesquisador, durante três décadas, parte desses segmentos jornalísticos insistiu em apregoar, entre outras coisas, que o Clube dos Treze “teria organizado” o campeonato, que o Módulo Amarelo não passava de “segunda divisão” e que o regulamento “teria sido modificado” no decorrer da competição. “Por meio de registros históricos, com personagens e documentos da época, foi possível provar e comprovar que a intenção de parte considerável da grande imprensa era chamar a atenção do público exclusivamente para o Módulo Verde (a Copa União), onde estariam reunidos os autoproclamados principais clubes do País. Em nome de interesses escusos, os quais também apresento no livro-reportagem, a grande imprensa não mediu esforços no confronto com a palavra oficial da CBF, transgredindo princípios básicos do jornalismo, como a salvaguarda da equidade jornalística”, explicou.
Para Costa Filho, ao longo das últimas três décadas, com reverberação sistemática nos mais conceituados veículos de comunicação do Brasil, as “mentiras” sobre o Brasileirão 87 se transformaram em “mitos”. “Essa postura jornalística acarretou sérios prejuízos para o Sport, mas também trouxe pelo menos um benefício: a maior exposição da marca do clube pernambucano na mídia nacional, já que, nessa disputa, o Sport fazia frente ao clube de maior apelo midiático do futebol brasileiro”, opinou. Para o jornalista, o veredicto do Supremo Tribunal Federal, no dia 18 de abril de 2017, tende a respaldar o reconhecimento da exclusividade do título do clube pernambucano.
Segundo o autor, a relevância histórica, a complexidade e a atualidade do objeto em estudo, além da escassez de trabalhos acadêmicos na área jornalística, justificaram a escolha do tema. Na defesa final, realizada nesta sexta-feira (25), a banca examinadora foi composta pelos professores Pedro Nunes (orientador), Joana Belarmino, Marcos Nicolau e Sandra Moura.
De acordo com Costa Filho, esse trabalho acadêmico resultará na publicação do livro-reportagem Brasileirão 87: grande imprensa renega título do Sport. “Na verdade, esse título ainda é provisório, pois, conforme sugestão dos próprios examinadores, o trabalho é bem mais abrangente, envolve outras áreas, como o Direito, História e Sociologia. Como pretendo inserir outras pertinentes sugestões da banca, poderei rever essa questão do título”, adiantou.
A metodologia
Como parte da metodologia para elaboração do relatório, foram feitas entrevistas em profundidade com advogados, dirigentes, historiadores, jornalistas, juristas, professores e torcedores. Dentre os 43 entrevistados, destacam-se personagens importantes como Carlos Miguel Aidar (idealizador e primeiro presidente do Clube dos Treze), Homero Lacerda (presidente do Sport em 1987), Márcio Braga (presidente do Flamengo 1987), Juca Kfouri (editor-geral da revista Placar em 1987) e o ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo no STF.
Como ponto alto das entrevistas, Costa Filho destaca o trecho em que Carlos Miguel Aidar afirma que o C-13 tinha plena consciência de que o cruzamento dos módulos verde e amarelo estava previsto no regulamento da competição. “Diferentemente do que é propalado nas mesas redondas dos programas esportivos, o Dr. Carlos Aidar revela que todos os integrantes do Módulo Verde souberam que haveria a quarta fase antes de o campeonato começar e que, mesmo assim, resolveram seguir adiante na briga contra a CBF”, afirma.
Outra entrevista destacada por Costa Filho é a de Márcio Braga. Segundo o autor de Brasileirão 87: grande imprensa renega título do Sport. “Em um determinado trecho da entrevista, o Dr. Márcio Braga resume, numa só frase, tudo o que eu buscava comprovar ao longo da minha pesquisa. Ele diz o seguinte: ‘A grande imprensa considerava aquele Módulo Amarelo como se fosse segunda divisão, já que os grandes clubes, todos que estavam no Módulo Verde, seriam a primeira divisão de futebol’”, observou.
Para ratificar as suas impressões em relação ao comportamento da grande imprensa, Costa Filho fez a aplicação de análise textual de matérias publicadas nos principais jornais do País, com a Folha de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Estado de S. Paulo e O Globo, além da revista Placar, num minucioso trabalho de pesquisa com abrangência no período compreendido entre 1982 e 2017. Esse trabalho analítico se estendeu ao site GloboEsporte.com, com estudo feito a partir de 2010.
Sobre o autor
Natural de Catolé do Rocha, município do Alto Sertão paraibano, Costa Filho lançou, em 2013, o livro Meu coração de leão: memórias de um paraibano louco pelo Sport, no qual expõe a sua admiração pelo clube pernambucano. Ele afirma, contudo, que essa postura não prejudicou a seriedade do seu trabalho. “Como se sabe, a exemplo do Direito, no mundo jornalístico já não cabem mais afirmações sobre neutralidade possível. Com esse meu posicionamento, acredito que a pesquisa ganhou realce quanto ao aspecto credibilidade. Aliás, este trabalho deve ser julgado pela qualidade de sua fundamentação histórico-teórica, resultado do esforço de pesquisa, análise e apresentação de todas as angulações possíveis em torno da cobertura jornalística dos acontecimentos relacionados ao Campeonato Brasileiro de 1987”, argumentou.
Com 441 páginas, Brasileirão 87: grande imprensa renega título do Sport é resultado de uma aprimorada e criteriosa pesquisa científica sobre fatos relacionados ao Campeonato Brasileiro de 1987, algo que, conforme o autor-pesquisador, parte considerável dos segmentos jornalísticos fizeram – e ainda fazem – questão de manter fora do alcance do grande público.
Costa Filho ressalta que, embora no âmbito jurídico o caso já esteja resolvido, do ponto de vista universitário, o seu livro-reportagem não tem como pretensão encerrar o assunto. “Pelo contrário, o tema é demasiado complexo e deve ser debatido amplamente no âmbito acadêmico. Para mim, como pesquisador, se este trabalho vier a servir como parâmetro para estudos similares, a meta estará cumprida”, finalizou.